vsc e ban jntos 4EVER

Thursday, November 09, 2006

COMO TUDO COMECOU


No dia 29 de Dezembro de 1915, um já prestigioso jornal lisboeta, o "Diário de Notícias", iniciava o seu segundo meio século de publicação, assinalando a efeméride na primeira página, onde, na orelha do lado direito, em letrra pequenina, se podia ler o preço do exemplar avulso: um centavo. O que queria dizer, trocado em miúdos, dez reis. Pouco mais restava da realeza: a República Portuguesa era uma aflita criança de cinco anos, o último rei, D. Manuel II, vivia exilado na Inglaterra e a Europa estava no segundo ano do medonho conflito desencadeado pela Alemanha. Portugal ainda não entrara directamente no teatro de beligerância em solo europeu, mas desde finais de 1914 que, em guerra não declarada, combatia as tropas coloniais germânicas no sul de Angola e no Norte de Moçambique, territórios fronteiriços com algumas das nações envolvidas nas operações. Na Metrópole, viviam-se tempos difíceis; o Governo republicano, entre convulsões políticas internas e indecisões diplomáticas, era refém da Inglaterra - a tão antiga, querida e estranhíssima "aliada" -, estava isolado internacionalmente e gastava fortunas para manter o preço do pão. A imprensa estrangeira falava de Portugal como deum "reino do terror" e de "um insulto à civilização"... É neste ambiente de medos, angústias, miséria moral e material que brota, como flor em pântano, uma colectividade desportiva, logo, voltada para a vida e para o entendimento pacífico dos homens. Em data simbólica, por mero acaso: 25 de Dezembro de 1915. O dia de Natal. Que ficaria, também, a par do seu significado religioso, como a data natalícia, ou de nascimento, do que é, hoje, o Varzim Sport Clube.
Aquele não tinha sido, no entanto, o princípio dos princípios. Um varzinista histórico, um dos pioneiros ou "bandeirantes" do clube, já falecido, Armindo Graça, numa "Página de Memórias" constante da Revista comemorativa das "Bodas de Ouro" do Varzim Sport Clube, editada em 1965, evoca a génese do futebol na Póvoa e o processo evolutivo da que é, hoje, a sua colectividade mais representativa.

"Tudo começou há meio século, por alturas de mil novecentos e catorze, quando ainda cursávamos o liceu da vila. O futebol oficial iniciava, titubeante, as primeiras competições e, descendo dacapital à província, empolgou a juventude, nomeadamente a escolar, sempre pronta a receber generosamente o influxo das ideias progressivas. A Póvoa não fugiu à regra e do nosso liceu saíram as primeiras tentativas de organização. "Mas o desporto-rei era, então, um folguedo privativo das classes abastadas, que só os filhos de gente rica podiam praticar. Uma bola custava, nesse tempo, os olhos da cara. O equipamento, nem se fala!... E nós éramos economicamente humildes.

" Tivemos, assim, as primícias de todos os clubes modestos, com a clássica bola de trapo, a jogar na via pública, sempre estimulados pelo exemplo do nosso professor de ginástica, que aos sábados costumava dar-nos aulas defutebol fazendo-nos jogar com uma bolade câmara de ar, que ele trazia do Porto e era a nossa perdição.
"Aliciado pelas emoções desse jogo ao ar livre, que a todos galvanizava, e no qual púnhamos todo o vigor dos nossos verdes anos, um grupo de estudantes do liceu, de que faziam parte o Dr. Raúl Cardoso, Dr. Américo Graça, Manuel Mota, David Correia, Engº. Franclim Marinheiro, Dr. Castro Bicho, Dr. José Calafate Ribeiro, Prof. Alexandrino Silva, Engº. Dâmaso Constantino bem como com a colaboração de outros elementos igualmente devotados ao futebol, como José Reina, José Malhão, Álvaro de Barros Pereira, Moisés Silva, Mateus Marques, António Cunha, Alípio Oliveira, Serafim Santos e tantos outros que a nossa memória não fixou, decidiram fundar o União Foo-Ball Clube, tendo iniciado as suas actividades defrontando em desafio amistoso o Póvoa Sport Club, grupo da élite local, formado pouco antes, onde o Torcato Ferreira e seu irmão Ivo - dois magníficos jogadores - pontificavam, ajudados por Manuel João de Amorim Alves, Jaime Soares e Carlos Braga.

"Com os primeiros recontros, surgiram as emulações por causa da constituição do team principal. Todos se julgavam no direito de ser chamados ao grupo, sem cuidar de saber se seriam os mais aptos. A dissidência estalou e oes estudantes afastaram-se para fundar o Varzim Foot-Ball Club. E, como sempre acontece quando há desavenças entre rapazes, passou-se ao desafio. Trocaram-se os ofícios da praxe e, em 5 de Dezembro de 1915, feria-se o primeiro embate entre o Varzim e o União. "Recordo-me perfeitamente que nesse jogo inaugural a formação varzinista era assim constituída: David Correia; dr. Américo e dr. Raúl Cardoso; dr. Alfredo Calheiros, prof. Faria Gajo e Manuel Marques; Jaime Soares, Carlos Braga, Torcato Ferreira, Armindo Graça e Taveira,. Pelos unionistas alinharam: Cícero; Caetano Terra e Ricardo; José Malhão, José Reina e Moisés Silva; Mateus Marques e Raúl Marques; Neca David, António Cunha e Ivo Ferreira".

Sem omitir o chorudo resultado do encontro (9-5 a favor do Varzim), realizado a 5 de Dezembro de 1915, nem esquecendo o nome do homem do apito (Fernando Flores Pinheiro), o autor da "Página de Memórias" continua:
"Houve depois o desafio-desforra, mas chegou-se à conclusão de que a dispersão de forças não dera o resultado desejado, dado que os clubes, para completarem os seus elencos, tinham de procurar reforços estranhos. E, após negociações levadas a bom termo, precisamente em 25 de Dezembro de 1915, dia de Natal, o União desaparecia para juntar-se ao Varzim. A ruidosa assembleia em que isto se verificou teve lugar na antiga ermida da Senhora do Desterro, na rua do Patrão Sérgio, então desafectada do culto religioso por se ter erigido a actual capela da mesma devoção".

Alheio - ou não ... - à hecatombe em avanço na Europa, assim um grupo de rapazes poveiro, em assembleia de quimera, acertou contades e opiniões, visando a construção mais sólida de um clube de football, o fenómeno de origem inglesa em moda na época. Foi pensado, dito e feito: passava a existir, em embrião e para o que desse e viesse, o Varzim Foot-Ball Club, que tal foi o nome escolhido para a colectividade resultante da fusão ... Três meses decorridos, concretiza-se a junção, em concorrida assembleia innstaladora, naquela que foi a primeira sede, inicialmente num primeiro andar da casa nº 7 da rua da Ponte, pertença da família Santos Graça, e, depois, num espaço anteriormente ocupado pela Padaria Malhão e disponibilizado, gratuitamente, pelo proprietário do prédio. Aprovam-se os primeiros estatutos e decide-se mudar o nome da colectividade para Varzim Sport Clube, o que não se leva a cabo sem polémica, pois havia uma facção que advogava a designação Varzim Atlético Clube. E é por poucos votos que vinga o intermédio Sport. O dia é, outra vez, o 25, o mês chama-se Março e o ano é 1916, mas para a história, a data da fundação da emergente instituição desportiva respeita a reunião tutelada pela velha Ermida da Senhora do Desterro: 25 de Dezembro de 1915.

Nessa assembleia foi aprovado, ainda, o projecto da primeira bandeira varzinista, "que o saudoso José Reina generosamente mandou confeccionar e ofereceu ao clube, regateando sempre o direito de ser seu garboso porta-estandarte" , como recorda o dr. Armindo Graça. A bandeira tinha fundo branco, atravessado, a partir do ângulo superior esquerdo, por uma lista preta em diagonal; no centro, avultava uma composição formada por dois remos cruzados, uma âncora e uma bola de futebol. Era, já, a marca do eclectismo de um clube que nascera para o futebol.

Do campo e das cores

Troavam os canhões nos palcos de morte da Europa e da África colonial, mas o sonho dos jovens poveiro definia-se em contornos de uma realidade pacífica, voluntariosa e determinada: ainda no ano de 1916, o Governo Civil do Porto, aprova os Estatutos do Varzim Sport Club, que elege os seus primeiros Corpos Gerentes a 1 de Outubro. Havia clube, faltava terreno para o jogo: os bravos players arregaçam as mangas, lamçam-se ao trabalho e dão forma ao primeiro campo de futebol da Póvoa de Varzim, no Largo do Cego do Maio, onde se estende, nos nossos dias, o Passeio Alegre.

Quem faz desporto tem que vestir-se para a função: discute-se o assunto e assenta-se que as camisolas serão brancas e os calções pretos. Isto, todavia, para o futebol, porque, entretanto, já o Varzim se alargara em annimosas secções para a prática da natação e do remo e, ainda, do basquetebol, modalidades cujas camisolas eram, também brancas, mas atravessadas por uma risca preta em diagonal. Nota: por esses tempos de pudor e recato, os nadadores -e, por mais óbvias razões, as nadadores... - não andavam de peito ao léu. Ainda no ano de 1916, dá entrada na Associação de Futebol do Porto - organismo fundado, três anos antes, por iniciativa conjunta do Foot-Ball Club do Porto e do Leixões Sport Club. Refira-se que, em 1913, já existiam onze clubes na região: os dois fundadores da Associação, os únicos a comparecer à chamada para a indispensável organização social, e, ainda o Boavista, o Académico Futebol Club, o Sport Clube Chiado, o Futebol Club de Gaia, o Futebol União do Porto, o Sporting Club de Espinho, o Candal Sport Club, o Sport Grupo Salgueiros e o Sporting Clube do Comércio (de cuja fusão, em 1920, quando o Sport Grupo Salgueiros já mudade a designação para Sport Porto e Salgueiros, resultaria o actual Sport Comércio e Salgueiros).

Nesses anos de guerra, o embrionário futebol português não deixou de ser afectado pela sangrenta convulsão bélica, já que muitos jovens desportistas - portugueses e ingleses residentes no nosso país - foram chamados às fileiras e alguns perderiam a saúde ou a própria vida nos campos de morticínio. Um dos que não voltou foi um certo Joaquim Vidal Pinheiro, jogador do F.C. Porto, que era tenente de Artilharia e sucumburia na Batalha de Flandes, em Abril de 1918. Foi nesse mesmo ano de 1918 - em que assinaria, finalmente, o Armistício e cessariam as hostilidades - que o Varzim Sport Club mudou o equipamento para o figurino que se manteve até hoje: camisolas às riscas verticais pretas e brancas, com vivos vermelhos na gola e nos punhos, e calções pretos. Com estes atavios ganharia o Varzim, na temporada de 1919/1920, o primeiro troféu da sua história, a Taça Eça de Queiroz. Um triunfo tão profundamente simbólico que nem de encomenda: José Maria Eça de Queiroz, ilustríssimo escritos, polemista, diplomata e criador do realismo na Literatura portuguesa, veio ao mundo em 1845, na Póvoa de Varzim.


Do primeiro símbolo ao estádio

Aos poucos se iam definindo as coisas e ganhando consistência um clube que queria ir longe. Em 1920, o Varzim torna público o seu primeiro símbolo: uma bandeira formada por listas pretas e brancas longitudinais ostenta, no canto superior esquerdo, um rectângulo vermelho tendo inscrita a esfera armilar e, sobreposto, um escudete com as armas da Póvoa, uma âncora de dois braços adornados de rosério e, em chefe, um sol dourado com uma meia-lua prateada à esquerda; em redor do escudete, a legenda Varzim Sport Club. Segundo o estusiástico pesquisador Armindo Graça, a transformção doi de inspiração brasileira, em episódio assim narrado:

"A corrente emigratória dos poveiros atirou para o Brasil muitos dos nossos, que, regressados à pátria, traziam novos conveitos e estusiasmos. De Manaus, sobretudo, onde a nossa colónia era numerosa, os que lá cultivam o futebol larga contribuição e reforço trouxeram às nossas hostes e, com isso, também, as suas predilecções clubistas".

Desta dorte, por "influência da União Sportiva Portuguesa, daquela cidade amazónica", surgiuo novo estandarte do Varzim. Que persistiria até aos nossos dias. Infante, ainda, com seis anos incompletos, o Varzim quer dar mais pormenorizada notícia de si, dos seus feitos e anseios. E vem à luz do dia o primeiro número de um arauto em letra impressa, o quinzanário "A Povoa Sportiva", órgão oficial do Clube, cujos director e administrador eram, respectivamente, Armindo Graça e Agonia Frasco. Uma vez por mês, aparecia, ainda, nos quiosques, o "Ar Livre", publicação dirigida e custeada por outro "saudoso e querido varzinista", António Calafate. "A doutrinação desses periódicos" - escreve Armindo Graça - "superou muitos obstáculos, destruiu muitas incompreensões, criou na massa popular a fé nos destinos do clube e cimentou de forma inquebrantável os alicerces do Varzim, cujo quadro social aumentava de ano para ano".


Do clube que queria ser "do Minho" à emulação de "papos-secos" e "perus"

Por esse tempo, com o futebol já não gatinhando mas ensaiando, ainda, passos titubeantes, eram muitas as indefinições, incluindo as de teor organizitivo geral. Pormenor curioso é o que se reporta à filiação associativa do Varzim. Dominava, então, a região nortenha a Associação de Futebol do Porto, que diligenciava superintender na actividade desportiva, procurando chamar à sua jurisdição as colectividades que militavam no raio de acção que entendia como seu. Só que havia quem não estivesse pelos ajustes. Vários clubes, Varzim incluído, furtavam-se ao connfronto directo com os congéneres da cidade do Porto, considerados mais adiantados na evolução e, por isso mesmo, mais fortes. No que respeitava ao Varzim, o sonho tinha cor verde ... do Minho. E não foi por acaso que a equipa pioneira varzinista, no período da sua campanha bandeirante, se desdobrou em encontros com "quase todos os agrupamentos das vilas e cidades do Minho, angariando resultadosque, nessa época distante, já o colocavam num plano de merecida evidência" (Armindo Graça) À vontade expressa do Varzim de ser clube minhoto opunham-se o Sporting de Braga e o Vianense, o quemotivou grande e acesa polémica na imprensa. Como podia o Varzim aspirar a ser considerado campeão do Minho - Braga e Vianense reivindicam o mesmo título - se a Póvoa se situava, administritivamente, na província do Douro? Comenta o imprescindível Armindo Graça: "O argumento tinha toda a força duma 'razão legal', mas só legal, porque a Póvoa, embora estivesse administrativamente enquadrada na província do Douro, era etnicamente minhota pelos seus costumes, pelo seu habitat e pela sua localização em região caracteristicamente minhota". Foi então que, deixando o Vianense de lado, Varzim e Sporting de Braga decidiram fazer um tira-teimas futebolístico que indicaria o mais poderoso. O match foi aprazado, ao que se diz, para uma tarde de Maio, no campo da cerca do Colégio do Espírito Santo em Braga. Como visitante, o Varzim estaria em desvantagem, mas, ao que parece, ninguém se preocupou com isso. Não foi, aliás, por falta de apoio que os duriense-que-queriam-ser-minhotos no jogo da bola tiveram razão de queixa, porque o Club Naval, aproveitando o evento, organizou uma excursão que levou a Braga mais de um milhar d poveiros, com a presença no jogo entre o programa das festas. findo o assanhado prélio, ninguém cantou vitória: o resultado foi de empate a um golo.

"A imprensa da época considerou sensacional, mas os nossos adversários denegriram a actuação varzinista, alegando que, para conseguirmos tal resultado,tivemos de lançar mão de dois jogadores vindos expressamente de Coimbra e que, afinal, eram o David Correia e o autor destas linhas, então a estudar na cidade universitária" (o "autor destas linhas", entenda-se era o prestimoso e tão citado dr. Armindo Graça).

O caso é que, ultrapassados os devaneios minhotos, não viria a ter o Varzim outra solução que não inscrever-se na Associação portuense, passando a disputar o campeonato concelhio. Por essa altura, a emulação no futebol poveira tinha como protagonistas o Carzim e o Sport Club da Póvoa, ex-Póvoa Foot-Ball Club e futuro Sporting Club da Póvoa (por filiação no Sporting lisboeta). Relata Armindo Graça: "Foi esse, então, o nosso mais directo rival e com ele travámos lutas ardorosas, emocionais, que no fim explodiam em manifestações de júbilo ou de révanche polvilhadas de incidentes que, agora, à distância, nos fazem sorrir pelo seu despropósito e pela sua ingenuidade. No final desses jogos - autênticos derbies locais -, os vencedores costumavam montar banquete de confraternização com a sua torcida, e no interim, corriam versalhadas jocosas, glosando fados e canções em voga, repletas de botes atirados ao adversário. "Foi por esse tempo que apareceram as alcunhas de "tarrotes" para os varzinistas e de "papos-secos" e "perus" para os sportinguistas: "tarrotes" por sermos pequenos, modestos, mas atiradiços e atrevidos, sempre com a bicada pronta para quem nos afrontasse; "papos-secos" e "perus" se chamava aos outros por serem janotas e "pipis", aprumados de colarinhos, e por constar que nos seus amiudados ágapes tiham predilecção pelo saboroso animal que lhes deu o nome".

por isto e mt mais sou VARZIM ATÈ MORRER